30 de setembro de 2022

Editorial

Por Ana Caroline

São Paulo, 30 de setembro - Assim como em 2018, as eleições deste ano não poderiam deixar de pautar a importância do voto para dar a continuidade na jovem democracia do Brasil. Muito se fala do voto útil e terceira via para combater a polarização que enfrentamos nos últimos anos. Os debates acalorados nas redes sociais apontam diversas visões sobre o momento histórico que estamos vivenciando, mas, apesar de parecer, a escolha é muito mais simples do que imaginamos.

De um lado temos o atual presidente que ameaça a democracia, ataca a imprensa e incentiva atitudes preconceituosas sem nenhum pudor e vergonha. Do outro, temos um candidato que respeita a democracia, mesmo quando ela o ataca, o prende e o condena, aceitando as consequências das atitudes e escolhas feitas por terceiros no momento. O que seria mais fácil realizar no futuro: enfrentar um presidente que apoia o golpe de Estado ou um Presidente que desce a rampa do Planalto quando envolvido em um processo de impeachment, mesmo considerando injusto?

É muito mais fácil cobrar e fiscalizar um candidato que não ataca a imprensa e respeita a liberdade de expressão, -mesmo quando o ofenda, constrange e inventa fake news - do que impedir um golpe militar. Primeiro, precisamos nos livrar do mal maior, que colocou o país novamente no mapa da fome, sucateou programas sociais e negligenciou milhões de vidas quando não levou uma pandemia global com a devida seriedade. Não estamos com opção de escolher o melhor para o momento, pelo contrário, devemos usar o nosso direito ao voto para escolher o menos pior, pois, sabemos que "o que tava ruim, pode piorar" é real. É quase um conhecimento milenar.

 

 

27 de setembro de 2022

A janela de amanhã

Quando se fecha uma porta se abre uma janela e o que resta é olhar por ela

Por Ana Caroline 

São Paulo, 27 de setembro - Um cenário que não muda ou que muda tão pouco, que os detalhes se apresentam quase imperceptíveis em rotinas repetidas e cheias de pressa.

Eu passei a ver o exterior através da minha janela e a paisagem era sempre a mesma, mas, com cada marca no calendário, eu olhava e via algo a mais. Seria um novo tom de azul no céu? Com uma casa que mudou de cor, a roupa no varal, uma planta sem água na varanda alheia, os carros indo e vindo e as pessoas com cara fechada como se fossem suas máscaras? As pessoas sempre usaram máscaras, mas essa era a primeira vez que elas cobriam de fato o rosto. E os olhos se tornaram mais do que nunca as janelas da alma, mais uma janela aberta, porém, várias portas fechadas. Quantas portas se fecharam para que as pessoas tenham tanto medo de se mostrarem frágeis em parar, pedir trégua e descansar?

O teto, os livros, a ordem dos objetos, tudo quase decorado, um tiquetaque incessante em tantos relógios ao mesmo tempo, e alguns relógios pararam de contar as horas, mas as janelas permaneceram abertas e o que restava era olhar por elas, tentando enxergar algo novo, nos detalhes esquecidos, nos sonhos planejados, nas despedidas inesperadas, nas cores desbotadas, nos medos além da janela, que se apresentavam como uma ameaça cheia de incertezas para o amanhã que fazem a gente viver em alerta e se autocobrando?

Quando não olho a janela, a rotina se repente em café, tela, café, tela, café, tela. Sempre com um misto de ansiedade e medo.

Como será a paisagem quando eu abrir a janela amanhã?

23 de setembro de 2022

O palco como ágora da contemporaneidade

Por Patrícia Vilas Boas 

São Paulo, 23 de setembro - Que festivais são palco para protestos políticos, isso não é novidade. Desde o primeiro Woodstock, na década de 60, até os tempos atuais, durante o Lollapalooza, em São Paulo, muitos artistas fizeram de suas apresentações espaços para se posicionarem politicamente. Apesar das reclamações de alguns fãs que divergem politicamente, ou que dizem ter pago seu ingresso "para curtir, e não assistir a protestos", os artistas não erram em quebrar junto com a guitarra ou largar junto com a palheta, o pressuposto da isenção sobre suas imagens.

Bono Vox, vocalista do U2, é figura conhecida quando se aborda a mescla entre protestos e a arte da música. O líder do grupo irlandês sempre procura passar - e com razão - uma mensagem política dentro e fora dos palcos. Em 2018, durante as eleições presidenciais no Brasil, a banda aderiu ao movimento "Ele não", contrário à candidatura de Jair Bolsonaro, enfurecendo os apoiadores do atual presidente e fãs da banda. "A banda não é a mesma de antigamente", disse um usuário no Twitter na época.

Notavelmente, todos têm o direito de se posicionar ou não politicamente. Isto é um fato. E sim, quando se adquire um ingresso para um espetáculo, não há nada que diga que você é obrigado a apoiar um lado ao qual você não se identifica. Mas assim como os ouvintes possuem o livre arbítrio para escolherem atender ou não a um show, os artistas, como cidadãos civis, também têm a liberdade de expressar sua opinião, seja ela política ou não.

Conforme disposto no artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal Brasileira: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Quem acha ruim que artistas façam de seus palcos uma ágora da contemporaneidade, precisa ler mais o livrinho verde e amarelo, tão fundamental em tempos de ameaças contra a democracia. 

Claro que isso pode acarretar em consequências para os artistas, os quais precisam estar cientes de uma potencial rechação e preparados para o famoso efeito "blacklash", que pode ser traduzido para o Português como“efeito chicote”, isto é, uma reação generalizada de reprovação a cerca de determinada mudança ou ação. No ano passado, a cantora Juliette foi alvo disso. A ex-BBB perdeu 45 mil seguidores no Instagram após se posicionar contra Bolsonaro e a favor das vacinas. Outros cantores sertanejos, por sua vez, também enfrentaram críticas ao apoiarem manifestações em prol do presidente, como Amado Batista e Sérgio Reis.

"Para mim não faz sentido, vivendo num país do jeito que está, se preocupar se você vai perder seguidor, contrato ou admiração de meia dúzia de pessoas. Porque você entende que você precisa se expressar politicamente. Arte é política", disse a atriz Bruna Marquezine em uma entrevista recente ao podcast "Quem Pode, Pod". Ela deixou claro seu alinhamento ao candidato de esquerda à Presidência da Republica Luiz Inácio Lula da Silva.

Se posicionar politicamente é um direito de todos, e, no Brasil, sendo artista ou não, nada lhe impede de expressar seu pensamento e manifestar suas opiniões pacificamente, um direito conquistado e assegurado com muito esforço - e sangue - após anos de Ditadura Militar. Não interessa se você pagou caro em um ingresso para assistir à apresentação do seu artista preferido e, na hora, ele levantou aquela bandeira que você não concorda. Você tem todo o direito de se retirar e, inclusive, não comparecer mais a concertos dessa pessoa. O direito à livre expressão de opinião se aplica a todos, seja ele seu ídolo ou seu maior inimigo. Aprender a lidar com isso é o primeiro passo para saber viver em uma democracia.

Ninguém sabia que todos já sabem

Um suspense lento, tenso e com personagens profundos lidando com os juros do passado

Por Patrícia Vilas Boas 

São Paulo, 23 de setembro - O filme Todos Já Sabem ou Todos Lo Saben (2018) de Asghar Farhadi acompanha Laura e seus filhos de volta para um pequeno povoado espanhol para celebrar o casamento de um parente. Com um clima caloroso e receptivo, o contexto daquela família vai emergindo de forma natural. O clima se transforma após acontecer um infeliz incidente no meio da celebração, sobrando para os personagens de Penélope Cruz, Javier Bardem, Ricardo Darín e Bárbara Lennie para encontrar uma saída.

Asghar Farhadi consegue construir um suspense lento e sufocante ao mesmo tempo, desde o início do filme, a tensão é sentida. O ritmo do longa não muda em nenhum momento do filme, pelo contrário, mantém-se constante mesmo depois de tantas revelações ou, até mesmo, na solução do caso. 

Todos os detalhes se conectam e nenhum deles é dispensável para a construção da narrativa e aprofundamento dos personagens. Farhadi mostra um olhar sensível para todos aqueles que participam da trama. Um incidente dá início a uma sequência de revelações enquanto todos ali são considerados suspeitos. Os questionamentos de "quem?" e "por que?" aparecem mais de uma vez com palpites de quem poderia ser beneficiado com a situação. 

O cineasta iraniano Asghar Farhadi, já dirigiu filmes premiados como Um Herói, A Separação e O Apartamento, os dois últimos foram vencedores de Oscar de melhor produção em língua estrangeira. Em sua maioria, o diretor busca aplicar um estilo melodramático ao curta, que tenha ligação com seu histórico cultural no Irã. É possível observar reflexos da sua visão de mundo em suas obras e uma evolução notável em sua filmografia, com relação à enredo, estilo e núcleo.

Enquanto o filme Todos Já Sabem trabalha genialmente com o aprofundamento dos personagens, assuntos como política, religião, vícios e questões financeiras dão tom ao drama. O passado se transforma em um dos protagonistas da história, no qual, volta à tona cobrando juros. 

Assistir ao filme sem saber a sinopse não influencia na tensão que o começo traz, pois, na primeira cena o público já sabe que algo irá acontecer a qualquer momento. O filme incomoda por essa sensação de alerta no início, porém, consegue trabalhar o suspense sem cansar. A sensação é de estar ali acompanhando de pertinho cada passo e decisão que os personagens tomam devido a forma que a narrativa é construída.

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